Antropologia Forense contribui para elucidação de crimes no Ceará

26 de novembro de 2018 - 19:18 # # # # #

Desenvolvendo um trabalho delicado que requer diversas técnicas e, inclusive, o auxílio de elementos da natureza, o Núcleo de Tanatologia e Antropologia Forense (Nutaf) da Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) é o setor responsável por realizar necrópsias e identificação de cadáveres. Não apenas isso, também verificam causa e tempo de morte em vítimas que chegam em condições especiais para serem identificadas.

Assim como todos os núcleos da Pefoce que atuam com objetivo de produzir laudos a partir de provas técnicas sobre crimes, mortes violentas ou suspeitas, a Tanatologia Forense, que nada mais é que o estudo científico da morte, tem o corpo em óbito como peça-chave para descobrir fatores que tenham culminado na morte de tal pessoa. E, neste processo de investigação e análise de cada detalhe, chegam os perfis considerados de fácil identificação, que são vítimas que chegam com pouco tempo após a morte e que a família comparece com documentação para fazer a identificação e liberação. Porém, há também casos em só chegam restos mortais, ou corpos em condições mais complexas sem identificação, o que demanda trabalho para um outro setor: a Antropologia Forense.

É na Antropologia Forense que se realiza a distinta tarefa de identificar corpos com perfis mais difíceis. Chegam casos já esqueletizados, ossadas, fracionados, carbonizados ou que já estejam com estágio de decomposição avançada. O trabalho exige uma análise detalhada que possibilite indicar tempo, causa da morte e quem é a pessoa que se procura descobrir. Já neste estágio, muitos elementos colaboram para que haja sucesso na identificação.

De acordo com o supervisor e antropólogo médico perito legista do Nutaf, Dr. Marcos, quando uma ossada é encaminhada à Pefoce, há inúmeros questionamentos a serem respondidos. E, por não existir mais a fisionomia da pessoa e nem as impressões digitais que a identificam, não há o exame de confronto das impressões digitais (necropapiloscopia), então, fica a cargo da análise dos ossos para se chegar a um perfil e verificar a eventual causa da morte.

O médico explica que são vários procedimentos realizados no Nutaf e que um deles é montar e analisar os fragmentos do ossos que chegam, “é uma espécie de ‘quebra-cabeça’”, como conta o médico legista. Verificamos todos os ossos e constatamos se correspondem a um perfil masculino ou feminino, analisando o quadril e a dimensão e detalhes do crânio. Já na parte da coluna vertebral, a gente consegue se aproximar da faixa etária da pessoa, pois, com o passar dos anos, há um desgaste gradativo da coluna. Também realizamos o cálculo da estatura e traçamos um perfil com muitas informações a partir dos ossos. Depois, se houver a procura por parentes, realizamos exames de DNA para comprovar”, conta.

Conforme o antropólogo, cerca de 90% dos casos que chegam são concluídos com sucesso e, poder identificar um corpo e colaborar na elucidação de um caso, não é apenas uma contribuição junto à Polícia e à Justiça, é dar à família uma resposta. É o cessar da dúvida. “Por mais que seja triste saber da perda, a família tem a resposta e pode fazer o sepultamento, prestar a última homenagem, começar a viver o luto e, assim, encerrar o ciclo por completo”, explica.

Entomologia

No processo de investigação do tempo de morte de um corpo que chegou com difícil identificação, a ciência forense recorre também a elementos da natureza: a biologia dos insetos e outros artrópodes, especialidade da Entomologia Forense. Analisar o comportamento dos bichos e insetos é uma das maneiras que contribuem para se chegar ao dia do óbito de uma pessoa, o que é imprescindível para as polícias científica e civil.

Segundo a entomóloga e cronotanatologista (que analisa o tempo de morte), Valdeana Linard, saber o dia do óbito de uma vítima por morte violenta ou suspeita é fundamental para que as linhas de investigação descartem outras variáveis possibilidades e tenham um melhor direcionamento para a investigação. Segundo ela, saber o tempo de morte de alguém que está há pouco tempo sem vida é mais fácil e requer menos procedimentos, mas corpos que estão em óbito há mais de três dias já apresentam um estágio avançado de decomposição, o que requer técnicas diferentes.

Para analisar estes casos específicos, a entomóloga desempenha a importante tarefa de observar a natureza e perceber os sinais vindos dos animais (moscas, lavas e outros insetos) que se aproximam. Valdeana explica que a partir do momento do óbito, já inicia o processo de decomposição e que, a cada etapa, esse ciclo atrai um grupo diferente de bichos. “É uma técnica extremamente precisa e de baixo custo. Com a entomologia aliada a outros processos transformativos corporais (a modificação da proteína) os laudos saem mais completos”, revela.

No caso das moscas, Valdeana tem catalogadas mais de 56 espécies que chegam ao corpo de acordo com tempo de exposição e o local em que o corpo está, considerando temperaturas e umidades locais. Com as larvas é possível se chegar ao intervalo pós-morte mínimo, e com a espécie criada é possível obter o tempo máximo de morte. Com as espécies que dão os parâmetros de período mínimo e período máximo de morte, a data aproximada é calculada seguindo um parâmetro biológico.

A Entomologia Forense da Pefoce é pioneira no Nordeste e está entre as mais bem avaliadas entre os institutos de medicina legal do Brasil. Isso porque o Nutaf se constituiu buscando referências e pesquisas nos mais conceituados núcleos de tanatologia forense fora do País e, hoje, está entre os mais referenciados do Brasil. O núcleo agrega profissionais multidisciplinares que congregam suas especialidades. Além da antropologia e entomologia forense, há o apoio do auxiliar de perícia Abelardo Gurgel, que assessora todos os procedimentos realizados pelo núcleo.