Medicina Legal: a mais antiga perícia desenvolvida no Ceará

26 de novembro de 2018 - 19:39 # # # # #

Dando continuidade ao especial #PorDentroDaPefoce, falaremos esta semana sobre a Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce). A coordenadoria é a mais antiga no trabalho desenvolvido na instituição e é oriunda do Instituto Médico Legal (IML). A sua história confunde-se com a da própria Pefoce.


Conforme Alexandre Lacassagne, médico e criminologista francês, a medicina legal pode ser definida como “a arte de pôr os conhecimentos médicos ao serviço da administração da Justiça”, definição corroborada por De Crecchio – precursor da ciência forense na Itália – que afirma que a medicina legal é “o estudo do homem, são ou doente, vivo ou morto, naquilo que possa formar assunto de questão forense”. Assim, a medicina legal coloca os conhecimentos científicos à disposição do estudo e do esclarecimento de inúmeros fatos de interesse jurídico, especialmente aqueles ligados ao âmbito criminal.

O estudo da medicina legal sempre causou curiosidade e, não obstante, permeia no imaginário popular apenas com a questão do exame no morto, porém, os exames de necrópsia tem o mesmo grau de importância que os exames realizados em vivos. Existe um leque de procedimentos que são de competências da coordenadoria. Tais como, os exames periciais de constatação de lesão corporal, crimes sexuais, embriaguez, além de exames psiquiátricos, sanidade em acidente de trabalho, lesão corporal e mental. Também são realizados exames para solicitação de seguro DPVAT, verificação de aborto, idade, sexo e outros.

Sala de necrotério da sede da Pefoce em Fortaleza

Conforme explica o médico perito legista e coordenador de Medicina Legal, Hugo Leandro, a Pefoce é responsável pela realização de perícias criminais de qualquer situação que envolva crime ou suspeita de crime ou acidente, que gere a necessidade de investigação policial. “Por exemplo, uma queda da própria altura ou um suicídio, que não são considerados crimes, mas envolve violência e tem a Polícia no processo de investigação. Desta forma, tudo que é violência e acidente em vivo ou morto, a gente realiza a perícia por determinação de autoridade competente”, afirmou Hugo Leandro.

Na Comel, que é uma das maiores coordenadorias existentes na Pefoce, existem núcleos com equipes de psiquiatria, odontologia, antropologia, tanatologia forense, traumatologia forense e de atendimento especial de mulheres crianças e adolescentes vítimas de violência. Ainda conforme Hugo Leandro, por ser a coordenadoria que realiza exame no ser humano vivo, tem o seu funcionamento 24 horas por dia, “devido à necessidade de ser contínuo e sem interrupção, para atender tanto a demanda pertinente, quanto para garantir a proteção dos direitos fundamentais do custodiado seja que hora for”, explica.


Um dos exames mais frequentes realizados na Comel é o exame de lesão corporal, que pode ser dividido em três situações. A primeira delas é o exame realizado o mais próximo possível do dia do ocorrido, para que se registre as lesões que são encontradas e se vincule ao fato alegado. Existe ainda o exame de sanidade de lesão corporal para saber se há sequelas ou não daquele fato ocorrido, e se aquela sequela gerou alguma limitação física na pessoa, que possa vir a ser usado para determinação ou agravamento de pena ou para classificar dentro da gravidade da lesão (uma lesão que o afaste do trabalho por mais de 30 dias ou afastamento definitivo devido a perda de alguma função). Por fim, existe o exame de lesão corporal cautelar, que é realizado em pessoas que estão sob a custódia do Estado. Esse mesmo exame é feito em quem é preso ou solto, ou ainda no momento em que é transferido e que ocorre algo enquanto ele está sob a guarda do Estado.

No Ceará, de janeiro a outubro deste ano, foram realizados 35.081 exames de lesão corporal, o que dá uma média mensal de 3,5 mil atendimentos. Somente na sede da Pefoce em Fortaleza foram realizados 24.959 exames, seguido por Juazeiro do Norte com 3.571, e o município de Sobral com 2.405 atendimentos. Já em 2017, foram realizados 41.973 exames, sendo 29.876 em Fortaleza, seguido por 4.219 em Juazeiro do Norte e 2.854 em Sobral.

História*

No Ceará, a Medicina Legal advêm desde o período colonial, passa pelo período imperial e já no período republicano é instalado o Gabinete Médico-Legal. Porém, um marco é registrado na década de 1950, quando é decretada a lei estadual 8.102/1956, que criou o Instituto Médico Legal (IML). Nesse período, o trabalho é desenvolvido por meio de parceria firmada entre o Governo do Estado e a Universidade do Ceará (atual Universidade Federal do Ceará-UFC). As necrópsias eram realizadas nas dependências da primeira sede do curso médico, no Centro de Fortaleza. Já os exames de lesão corporal eram realizados nas delegacias e os de violência sexual, na maternidade estadual.

Gabinete Médico-Legal (à esq.) e o primeiro Instituto Médico Legal (IML), centro de Fortaleza (à direita)

Somente na década de 1970, buscou-se edificação em local exclusivo. Então, em 1975, o prédio destinado ao Serviço de Verificação de Óbito (SVO) – que funcionava no bairro Parquelândia – torna-se a sede do IML. Por ser muito próximo às residências e por ter uma estrutura precária, em 1984, é iniciada a construção do novo IML, inaugurado dois anos depois, na sede onde atualmente funciona a Pefoce. O marco da medicina legal cearense surge com a inauguração do IML Walter Porto, em 1986. No local, eram realizados os exames tanto no vivo, quanto no morto.


Sede do IML no bairro Parquelândia em Fortaleza

A partir dos anos 2000, surgem os desafios enfrentados em todo o País, como a expansão dos serviços periciais. Também é nesse período que se inicia o processo de interiorização da medicina legal em núcleos específicos da Perícia. Então, em 2008, foi exstinto o IML e surgiu a Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) dentro da estrutura da Pefoce, órgão independente da Polícia Civil, dotado de autonomia administrativa e financeira, vinculado à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

A publicação da próxima semana (dia 03) terá como tema a Coordenadoria de Identificação Humana e Perícias Biométricas (CIHPB). Será possível conhecer todos os serviços que são realizados pela coordenadoria e seus setores, como os Laboratórios de Identificação Papiloscópica (Lip), de Impressão Necropapiloscópica (Lin) e o de Identificação de Desconhecidos e Desaparecidos (LIDD).

*Parte das imagens e informações contidas neste texto foram obtidas no Livro “Corpus Delicti – Medicina Legal no Ceará”. Autores: médicos legistas Renato Evando Moreira Filho e Sangelo Abreu.